A Igreja é um “organismo vivo” – Entrevista com Pe. Ediclei Araújo, LC

Pe. Ediclei Araújo, LC dando uma das seções de atualização do código

 

Entre os dias 28 à 30 de dezembro os Legionários, tiveram sua semana de formação na casa do Noviciado em Arujá. O Curso de Atualização Canônico-Pastoral, foi dado pelo Pe. Ediclei Araújo, LC além de outros espertos do âmbito jurídico eclesiástico.  Pe. Ediclei Araújo é:

  • Formado em Humanidades Clássicas, pelo Centro de Humanidades Clássicas do LC nos EUA, além da graduação em Filosofia e Teologia – Ateneo Pontificio Regina Apostolorum
  • Mestrado em Direito Canônico pela Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo (São Paulo – 2017)
  • Cursando o doutorado em Direito Canônico na Pontifícia Universidad Católica de Argentina (Buenos Aires)Atualmente:
  • Secretário da Faculdade de Direito Canônico da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
  • juiz para causas matrimoniais e penais nos Tribunais Eclesiásticos de São Paulo e Osasco
  • Professor de Direito Canônico e Administração paroquial no Seminário Maria Mater Ecclesiae do Brasil.

Pe. Ediclei, muito obrigado pela disponibilidade: Primeiramente, o que é o Código de Direito Canônico? Qual a finalidade dele na Igreja? Quantas edições ele teve?

O Código de Direito Canônico é o livro onde se reúnem as leis universais válidas para todos os cristãos católicos de rito latino e tem por objetivo ser um instrumento que estabelece o que é justo nas relações jurídicas (direitos e deveres) existentes ao interno da Igreja, em função do “bem comum” e de sua missão, que é a salvação dos homens.
A reforma e organização das leis universais da Igreja nesse formato hoje conhecido como “Codex Iuris Canonici” é do ano de 1917, também chamado de Código Pio-Beneditino. A versão atual, elaborada à luz do Concílio Vaticano II, foi entregue à Igreja Católica de rito latino no ano de 1983 e continua vigente até hoje, porém, com diversas alterações feitas ao longo dos últimos anos.

Como exemplo dessa finalidade de ordenar as relações dentro da Igreja, poderia comentar um pouco da última alteração do código levada à cabo pelo Papa Francisco?

A última alteração realizada pelo Papa Francisco no Código de 1983 se refere ao c. 579, feita mediante o motu próprio Authenticum Charismatis de 01 de novembro de 2020. Nessa reforma, o Papa, por um lado reafirma a autoridade do Bispo diocesano no discernimento e reconhecimento de um novo Instituto de Vida Consagrada ou de uma nova Sociedade de Vida Apostólica de direito diocesano. Por outro (eis o elemento novo!), reserva à Santa Sé a responsabilidade de dar a “última palavra” entorno à aprovação desses novos carismas, uma vez que pela sua própria natureza, cada Instituto de Vida Consagrada ou Sociedade de Vida Apostólica, mesmo que tenha surgido no contexto de uma diocese, «transcende a esfera diocesana e torna-a relevante para toda a Igreja», afirmou o Papa.

Qual é a necessidade desse curso de atualização para os religiosos do nosso território?

Então, a necessidade surge da importância de todos, de modo especial os sacerdotes, refletirem e tornarem-se conscientes das mudanças ocorridas no Código de Direito Canônico nos últimos anos e as razões que as motivaram, a fim de as colocarem em prática – naquilo que cabe a cada um, claro. Por certo, o primeiro assunto tratado nesses dias de atualização canônico-pastoral foi justamente as atualizações feitas no Código de 1983. Num dos gráficos apresentados, vimos que o Papa São João Paulo II alterou dois cânones ao longo do seu Pontificado. Já Bento XVI alterou cinco cânones nos seus sete anos de Pontificado.
O Papa Francisco, em sete anos de Pontificado já modificou quarenta cânones do Código de 1983. Tudo isso manifesta que a Igreja é um “organismo vivo” e que seus pastores constantemente velam para que esse “instrumento disciplinar” – que é o Código – esteja sempre adaptado e à serviço da missão salvífica da Igreja. Deste modo, o curso vem ao encontro da necessidade de atualizar os nossos religiosos neste âmbito e desenvolver aqueles temas que mais tem sido considerado pelo Papa, como por exemplo: a tutela de menores, o matrimônio, a situação das uniões irregulares etc. Tudo isso, ajuda a que nossos religiosos se tornem “colaboradores” da justiça dentro da Igreja, orientando corretamente as pessoas que lhes foram confiadas em seus apostolados.

Conhecendo a nossa vida e pastoral legionária, de que forma essa atualização ajudará nossos religiosos?

Pastoralmente, ademais do já comentado anteriormente, ao longo desses dias de atualização nós vimos como fazer um primeiro atendimento àquelas pessoas que tiveram um matrimonio fracassado e agora se encontram numa união irregular, almejando regularizar a sua situação; ou como devemos acolher e orientar aquelas pessoas que se aproximam de nós e nos revelam haver sido vítimas de abuso (sexual e/ou de poder) dentro da Igreja; recebemos várias informações que nos ajudarão – enquanto clérigos religiosos – a atuar com maior consciência e prudência no trato com as pessoas através das redes sociais e aplicativos de mensagens; como boa parte dos nossos religiosos são formadores, também foi tratado o tema do acompanhamento e da atenção a ser dispensada aos candidatos ao sacerdócio, tornando a ação formativa igualmente “preventiva”, para não chegar ao sacerdócio aqueles que não sejam considerados suficientemente idôneos.
Além disso, repassamos diversas exigências jurídicas (licenças, dispensas, faculdades etc.) decorrentes da nossa relação com a Igreja particular, retomando conceitos e práxis utilizadas na Igreja do Brasil. Dedicamos ainda um bom tempo para tratar do fiel cristão e de alguns dos seus principais direitos e deveres na Igreja. Todos esses assuntos tocam diretamente ou indiretamente o nosso dia a dia ou poderão surgir durante o nosso exercício ministerial, pelo que é sempre importante estarmos preparados, ao menos para bem orientar, em cada caso.

O senhor reconhece que existe um certo desconhecimento do Código e de sua aplicação na vida eclesial? Qual seria o grande motivo para que esse desconhecimento permaneça?

É verdade que existe uma certa desatenção por parte de alguns clérigos e leigos consagrados no que diz respeito a nossa legislação interna. O tempo dedicado a conhecer e estudar o Código de Direito Canônico durante os anos da Teologia nos permite apenas ter acesso a elementos básicos da codificação eclesiástica. Além disso, as disciplinas pastorais e sacramentais-litúrgicas ocupam maior espaço e atraem mais o interesse dos estudantes, o que é natural. Porém, tanto a práxis sacramental quanto a pastoral, devem ser realizadas no modo justo e válido para realmente operar a salvação das pessoas, daqui a necessidade do conhecimento das normas e leis regulam essas práxis. Por outro lado, acredito que essa atenção dada pelo Papa Francisco à adaptação das leis às circunstâncias atuais, bem como o constante chamado da Igreja aos clérigos e pessoas consagradas a manterem-se numa atitude de “formação permanente”, colaborem a que essa lacuna seja sanada.

O senhor trabalha no tribunal eclesiástico. Poderia explicar a função de um tribunal eclesiástico? Qual é a maior demanda do trabalho? É difícil estar neste posto?

Pois bem, a função do tribunal eclesiástico é colaborar com o Bispo diocesano no seu múnus de governar, mais especificamente, no exercício do seu poder judiciário. Certamente, as maiores demandas giram entorno aos processos de declaração de nulidade matrimonial. Não é fácil lidar com as problemáticas levadas ao tribunal, mas alguém tem que fazer esse serviço. Digamos que se trata de “uma vocação dentro da vocação sacerdotal”; somos conscientes que estamos respondendo a um chamado através do serviço que prestamos.

A pouco tempo o senhor foi nomeado Secretário geral da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo, da Arquidiocese de São Paulo. Qual foi sua reação ao ser chamado para assumir este cargo?

Reação de surpresa, logicamente, mas ao mesmo tempo de gratidão a Deus e ao Cardeal Dom Odilo, pela confiança que depositam em mim e pelo reconhecimento ao trabalho que há alguns anos venho desempenhando na Arquidiocese no âmbito jurídico eclesiástico. É uma grande responsabilidade poder colaborar na diretoria de uma Faculdade que possui uma história de mais de vinte anos à serviço da Igreja no Brasil, ajudando a formar aqueles fiéis – clérigos, religiosos e leigos – chamados a se especializar e a servir na administração da justiça dentro da Igreja.

Uma última pergunta: Na vivência do nosso carisma, uma das nossas finalidades é o serviço e a edificação da igreja através da oração, testemunho de vida e do apostolado. Como o senhor se sente neste momento podendo ajudar a igreja local em suas necessidades?

Realizando a minha vocação! Confirmando o que Deus quer de mim de forma específica através da vocação legionária. A formação de formadores é outro rasgo característico de nossa vocação e, na Faculdade, encontro oportunidades de colaborar na formação de formadores que irão influir neste âmbito tão caro para Igreja, como é o da administração da justiça.

Palavras finais?

Muito obrigado.