A vacina do bom humor produz santos

A vacina do bom humor produz santos

Celso Júlio da Silva LC

Basta alongar o olhar do coração para perceber que o que mais necessita o nosso mundo é um pouco de bom humor. O vírus da rigidez, que tanto denuncia o Papa Francisco, inocula frequentemente um mal maior: a corrupção. Diante desta realidade ameaçadora lembremos que somente Cristo pode eliminar as nossas rigidezes e curar os nossos males. Porém, deixa-nos uma receita muito eficaz: o bom humor. Para alcançar o bom humor existem três coisas importantes: fé, esperança e caridade. Se não, pode ser que cairemos em rigidezes, muitas vezes tontas, que não nos conduzem a lugar algum.

Cristo nos evangelhos nunca se mostrou rígido. Exigente sim, rígido não! Aliás era um mestre do bom humor, sinal do que deve ser o caminho de santidade. Nas Bodas de Caná realiza o milagre do vinho melhor, estando já bêbados os convidados (cfr. Jo 2, 1-12), como dizendo: pois bem eu vos darei um vinho melhor! Diante da multidão faminta e uma criança que se apresenta diante Dele com cinco pães e dois peixes, diz para os apóstolos: “dai-lhes de comer! ” (Cfr. Mt 14, 16). Senhor, se aqueles apóstolos não podiam com a própria vida, como iam dar de comer a milhares?! O naquela situação na que a multidão o apertava e a hemorroísa toca Jesus e fica curada: quem me tocou? (Cfr. Mc 5, 30). Outra vez, todo mundo te aperta, Senhor, e agora vens dizendo quem te tocou? Ou quando envia uma mensagem a Herodes e diz: “ide e dizei àquela raposa! ” (Cfr. Lc 13, 32). Interessante esse humor de Jesus Cristo!

Nas pegadas de Cristo também vários santos se vacinaram com uma dose de bom humor. São João Crisóstomo, alvo da euforia da imperatriz Eudoxia, certa vez, depois de ter vencido umas brigas contra ela e contra os bispos do Egito que queriam condená-lo no Sínodo do Carvalho, exclamou num sermão: “o Sínodo promovido por Eudoxia foi uma Adoxia”. Adoxia, ademais de significar em grego uma vergonha, era o nome verdadeiro da imperatriz- uma “sem vergonha”- que ele trocou por Eudoxia. E ali estava Crisóstomo com o bom humor brincando com as palavras Eudoxia e Adoxia! Pensemos quando Henrique VIII queria jogar no rio Tâmesis uns cristãos que não queriam se converter ao anglicanismo, eles responderam: “o que queremos é chegar no céu, se por terra ou por água dá igual”. Ou quem não se lembrará do que disse São João XXIII perante alguns que lhe perguntavam quantas pessoas trabalhavam no Vaticano, pois viam que ali tinha muita gente que recebia o seu salário, mas não trabalhava, o santo respondeu: “Quantos trabalham aqui? Pois… a metade”. Ou a simpática resposta que São João Paulo II deu àquela freirinha um pouco insistente que lhe dizia: “estou preocupada com a Sua Santidade! ”. E o Papa respondeu: “eu também estou muito preocupado com a minha santidade! ”.

Diante do exemplo de Cristo e também dos santos e santas que seguiram as suas pegadas podemos ter certeza que o Reino dos Céus está cheio de gente simpática, brincalhona, feliz, que sabem desfrutar da arte do bom humor. O céu está repleto de pessoas que levaram à sério as palavras de Nosso Senhor: “se não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus! ” (Cfr. Mt 18, 3).

A vacina do bom humor produz santos. Vale dizer que ser santos é uma grande tarefa, porque não é que já somos santos, devemos nos tornar cada dia com o auxílio da graça. Mas especialmente naquelas circunstâncias adversas, de prova, de cruz, de rejeição, de perseguição, de incompreensão, de indiferença. Situações que acontecem na família, na comunidade, na paróquia, no colégio ou no trabalho. É nestas circunstâncias quando se formam os santos, as crianças que com transparência e simplicidade são capazes de ver o mundo através dos óculos do absurdo, como bem afirma Tadeusz Dajczer no seu livro Meditações sobre a fé.

Sendo assim, os contratempos desta vida, se levarmos com rigidez, podem se converter num inferno. Aliás, o que é pior: é sinal de que na profundidade da nossa rigidez existe algo pior, que já não seria nem sequer pecado, mas corrupção. As pessoas rígidas sempre escondem alguma coisa e por isso não são capazes de rir um pouco às vezes do absurdo que pode ser a vida nalgum momento ou das pessoas que vivem ao seu redor. São aqueles que nunca veem a beleza escondida detrás de uma cicatriz jamais desejada. As feridas contam o que aconteceu, mas só as cicatrizes contam que o amor e a graça do bom humor venceram.

Talvez o tempo fez que alguns se esquecessem de rir da vida e das situações adversas porque se tornaram gente pesada, fria, séria, apagada. Quantas pessoas se deixam arrastar pela soberba ridícula manifestada em rigidezes que não valem a pena, porque se esqueceram de que para rir do absurdo é necessária muita humildade. No final somente as folhas que caem depois voam. E voam com o bom humor aprendido na escola da fé e da vida. Porém, caem, devem se desprender das suas seguranças e critérios para ver a vida com os olhos de Cristo e dos santos, com os olhos daqueles que tiveram a ousadia de receber a graça do bom humor na própria vida.

Quando o Papa Júlio II via por primeira vez o Juízo Final de Miguel Ângelo caiu à terra de joelhos diante daquela beleza. Um cardeal um pouco rígido sussurrou no ouvido do Papa: muita gente nua, santidade, isto é um absurdo dentro de uma capela! Aquele comentário não agradou Miguel Ângelo, que naquela mesma noite pintou o rosto daquele cardeal na boca do inferno dentro do conjunto do afresco que ainda se conserva na Capela Sistina. Logo, o cardeal foi com o Papa, para pedir que tirasse o seu rosto do inferno, e o Papa brincando disse: eu tenho poder no céu e na terra, mas não no inferno! E assim a rigidez daquele cardeal mereceu um lugar dentro da obra: um lugar no seu próprio inferno, o inferno da sua rigidez.

Por isso, abandonemos essas rigidezes que só trazem infernos e não nos levam a lugar nenhum. Vacinados de bom humor com as doses das virtudes teologais sejamos santos e deixemos um legado para as gerações posteriores, quase à maneira de uma bem-aventurança: bem-aventurados os que vivem de bom humor porque eles conquistarão o céu!