O assombro

O assombro: reconhecer que tudo está em relação

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Celso Júlio da Silva LC

O mundo não é um problema para ser resolvido, mas um mistério para ser contemplado no louvor e no gozo”- escrevia o Papa Francisco faz seis anos na Laudato sí. A preocupação do Papa pela casa comum está radicada na preocupação pelo ser humano, dado que tudo está em relação.

Infelizmente o mundo lembrará, embora seja pelos livros ou pelas imagens, um 2020 e um 2021 pandémicos. Época em que a vida humana viu-se em risco e a morte levou muita gente de perto nós. Ressoa ainda o que o Papa Francisco rezou naquela Praça de São Pedro deserta: “nos consideramos sãos num mundo enfermo”. O problema da doença do mundo é o problema da doença do homem. O mistério do cosmos é o mistério do homem. Porque no final das contas tudo está em relação.

O melhor remédio para este mundo diante desta época pandêmica está dentro do coração de cada homem, sem descartar obviamente a necessidade da vacina e da cura que tanto necessita a humanidade. Contudo, as melhores respostas não se fabricam num laboratório, mas se dão espontaneamente diante das circunstancias diárias. Porque o homem leva dentro de si não somente a semelhança com o Criador, mas também a relação intrínseca com a criação.

Gandhi afirmava que dentro do homem estão as três dimensões fundamentais do cosmos: o mar, a terra e o céu. No mar habitam os peixes e a característica ali é o silêncio. Sobre a terra habitam os animais selvagens e a sua característica é o grito. No céu habitam os pássaros e o céu se caracteriza pelo canto.

O homem é capaz de aceitar o mistério da sua existência em relação somente quando, deixando o grito da terra do seu coração, entra na profundeza do mar da sua alma e guarda silêncio para entoar um canto desde a sua interioridade a Deus Providente. A minuciosa compreensão do que pode estar acontecendo na nossa casa comum não será a resposta aos problemas do mundo, mas a respeitosa contemplação do dom de Deus ao mundo e à vida de cada ser humano.

Se os homens vissem este mundo com assombro e não com olhos egoístas de poder e exploração talvez diminuiríamos a fabricação de armas, o tráfico de seres humanos- crianças, mulheres- o aborto que só deixa tristeza e remorso nas mulheres, a matança de seres humanos por fatores políticos e religiosos, as discriminações raciais, sociológicas, religiosas, culturais, os corpos de imigrantes jogados no mar ou abandonados pelas estradas periféricas de tantos países.

Se houvesse mais assombro no coração humano os doentes e os anciãos seriam a prioridade da política internacional e os pobres deste planeta se converteriam na referência da agenda do que exerce a política em sociedade. Se houvesse assombro no olhar de tantos homens o seu grito egoísta se converteria no silêncio do mar e no canto do céu. E o olhar do homem deixaria de ser o olhar de uma criança empobrecida.

Com certeza não basta o desejo de um mundo melhor, é necessário construir cada dia com a própria vida essa casa comum que agora se encontra mais afetada, já que infelizmente o homem esqueceu que não está sozinho, sempre está em relação. O silêncio e a oração são os espaços adequados nos que o homem pode encontrar as melhores soluções para os problemas que ameaçam o nosso planeta, a nossa vida, o nosso redor.

Sempre se diz que depois da tormenta vem a bonança. E é mesmo! Na tormenta no meio do mar não podemos ver os peixes. Só se pode pescar na bonança, no silêncio e nos momentos de paz e tranquilidade. Assim também nos momentos de dificuldade, de turbulência e de prova não podemos ver as melhores soluções e nem tomar as melhores decisões. É necessário que o tempo traga novamente a bonança à nossa vida, à nossa sociedade e então poderemos ver o que for melhor para construir um futuro.

Este é o tempo favorável para nos assombrar outra vez. Este é o tempo favorável para fortalecer as relações dentro da harmonia da criação. Este é o tempo favorável para voltar naquilo que é essencial dentro da vida humana de cada dia. Todos os contratempos e todas as atrocidades que esta pandemia deixou detrás de nós nos fez entender o que sabiamente já dizia Cícero: ninguém admira o que vê com frequência (cfr. De divin. 2, 22).

A pandemia tirou de nós não somente possibilidades e coisas que antes fazíamos com frequência e sem problemas, mas tirou de nós quem sabe algum ser querido, algum amigo, algum vizinho. E isto nos fez pensar mais no dom do outro do que em nós. Fez-nos assombrar do dom da criação, da pessoa que vive do nosso lado, desta vida que é dom e mistério porque é a melhor poesia de Deus.

Se aprendemos isto na tormenta que não esqueçamos quando estivermos na bonança. O pior que pode acontecer num ser humano é se acostumar a viver diante do extraordinário e nunca se assombrar. Bem dizia Chesterton: “a mediocridade possivelmente consiste em estar diante da grandeza e não se maravilhar”. Só quem for capaz de se assombrar saberá que tudo está em relação e que o mundo e o homem não são um problema para ser resolvidos, mas um mistério para ser contemplado no louvor e no assombro.